A Síndrome de Sjögren (SS) teve sua descrição clássica em 1933, pelo oftalmologista sueco Henrick Sjögren. O autor se baseou nos achados de 19 pacientes do sexo feminino com olhos secos (ceratoconjutivite seca) e boca seca (xerostomia), 13 dos quais apresentavam também artrite reumatoide.
A etiopatogenia da Síndrome de Sjögren ainda não é totalmente conhecida, mas tem sido considerada uma desordem autoimune crônica sistêmica, que envolve, principalmente as glândulas salivares e lacrimais, resultando em xerostomia e xeroftalmia, sendo os efeitos oculares denominados ceratoconjuntivite sicca. Observa-se a diminuição ou perda total da função das glândulas salivares e lacrimais, evidenciada pela redução na sua secreção, alteração na qualidade e composição da saliva e da lágrima.
Duas formas da doença são reconhecidas, a SS primária, em que a síndrome sicca manifesta-se isoladamente e a SS secundária, em que o paciente apresenta síndrome sicca e outra desordem autoimune associada, como a artrite reumatoide, o lúpus eritematoso sistêmico, a cirrose biliar primária e a esclerodermia.
Estima-se que 80 a 90% dos casos ocorram em pacientes do sexo feminino, predominantemente em adultos, mas alguns casos têm sido descritos em crianças.
O principal sintoma oral é a xerostomia, causada pela redução da secreção salivar, entretanto, a intensidade da secura pode variar de paciente para paciente. Além disso, o paciente relata sensação de queimação na boca, disfagia, particularmente para alimentos secos, sendo necessária a frequente ingestão simultânea de líquidos. Há tendência para o desenvolvimento de cáries, estomatite e halitose. Cerca de 60% dos doentes apresentam aumento do volume das glândulas salivares maiores: parótidas, sublinguais e submandibulares. A língua, na maior parte das vezes, torna-se fissurada e exibe atrofia das papilas. Podem ocorrer infecções secundárias por cândida.
Cerca de um terço à metade dos pacientes apresentam um aumento firme e difuso das glândulas salivares, com redução do fluxo salivar, o que eleva o risco para uma sialoadenite bacteriana retrógrada.
O tratamento da enfermidade é geralmente de apoio e multidisciplinar, principalmente por meio da atuação do cirurgião-dentista e oftalmologista, a fim de proporcionar mais qualidade de vida ao paciente.
Diagnóstico e tratamento da Síndrome de Sjögren
Em virtude de complexas alterações que podem ser observadas nas glândulas salivares e, consequentemente, em toda a cavidade bucal, a Síndrome de Sjögren apresenta grande relevância na Odontologia.
As manifestações bucais são, algumas vezes, as primeiras a serem notadas. O sintoma mais comum é a xerostomia, saliva espessa e espumosa, associada à dificuldade na deglutição e fonação, língua despapilada, fissurada e eritematosa, aumento do número de cáries, além do aumento volumétrico nas glândulas salivares, principalmente na parótida.
Para confirmação da Síndrome de Sjögren, outras possíveis causas de xerostomia devem ser eliminadas, como o uso de medicamentos ansiolíticos, anti-hipertensivos, antidepressivos e anti-histamínicos, principalmente; aplasia de glândulas salivares, radioterapia na região de cabeça e pescoço, outras doenças sistêmicas, tabagismo e respiração bucal.
Frente a um quadro de xerostomia, deve-se confirmar a presença de hipossalivação, o que pode ser feito por meio do teste de sialometria, que medirá a quantidade de saliva estimulada e não estimulada (repouso) produzida pelo paciente. A sialografia é outro método não-específico, em que se detecta dilatação ou obstrução ductal pela presença de cálculos salivares. Já pela cintilografia salivar examina-se, de maneira não invasiva, todas as glândulas salivares maiores simultaneamente, mas por usar radiação, é pouco viável e cara.
Exames complementares podem ser solicitados para auxiliar no diagnóstico. Destacam-se os testes oftalmológicos, como o teste de Schirmer e de Rosa Bengala, para determinação a redução do fluxo lacrimal, confirmando ou não a SS; e análise da urina, para excluir a presença de diabetes. Além disso, por meio de hemograma e testes sorológicos do paciente, pode-se observar marcadores como a velocidade de hemossedimentação (VHS), o nível de anticorpos antinucleares – anti-SS-A e anti-SS-B – sanguíneos, para excluir sarcoidose ou SS; e também a dosagem do fator reumatoide (FR), para investigar SS e sorologia e determinar possíveis causas virais.
A biópsia das glândulas salivares menores deve ser realizada frente a suspeita de SS. Glândulas salivares do lábio inferior são selecionadas, sendo removidos de quatro a seis lóbulos de glândula salivar. A partir daí, observa-se a presença de sialoadenite focal linfocítica, com a presença de focos linfocíticos com mais de 50 linfócitos (processo inflamatório).
Após a obtenção do diagnóstico de SS há a necessidade de classificá-la. Será um caso de Síndrome de Sjögren primária, caso haja biópsia e sorologia positivos, além de pelo menos outros quatro sinais ou sintomas. Caso o paciente apresente outra doença autoimune associada, além de xerostomia, xeroftalmia, caracteriza-se um quadro de Síndrome de Sjögren secundária.
O tratamento do paciente com SS é principalmente de suporte, com uso de saliva e lágrima artificiais. Devido ao risco aumentado de cáries dentárias, recomendam-se aplicações periódicas de flúor. O tratamento antifúngico pode ser necessário, caso haja candidíase secundária. Pacientes com SS apresentam elevado risco de desenvolver linfomas, 40 vezes a mais que a população normal, o que torna importante a detecção precoce e o acompanhamento estreito destes pacientes.
Sendo assim, cirurgião-dentista tem um papel importante no diagnóstico e no tratamento da Síndrome de Sjögren, uma vez que desconforto bucal, lesões cariosas, depapilação lingual, candidíase bucal, queilite angular e parotidites recorrentes são complicações advindas da hipossalivação.
É também de importância, para conhecimento do profissional, o fato dessa síndrome poder apresentar em seu quadro clínico doenças sistêmicas, além do potencial de transformação maligna. Por isso, em virtude da Síndrome de Sjögren envolver uma série de outros exames, que não somente aqueles diretamente relacionados às estruturas bucais, torna-se interessante, muitas vezes, o encaminhamento dos pacientes a um Estomatologista, especialista que será capaz de solicitá-los e interpretá-los, a fim de realizar um diagnóstico preciso.
Rhayany Lindenblatt Ribeiro
Cirurgiã-dentista. Especialista em Estomatologia. Doutora e mestre em Patologia Bucal. Habilitada em Laserterapia. 1º Ten Dent Adjunto da Clínica de Semiologia da Odontoclínica Central do Exército.