Por: Vanessa Navarro
A microcefalia é diagnosticada quando a cabeça e o cérebro da criança são menores do que o normal para a sua idade. Normalmente percebida no começo da vida, a doença influencia diretamente no desenvolvimento mental da criança.
De acordo com a cirurgiã-dentista e especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, Maria Lucia Zarvos Varellis, os indivíduos com microcefalia podem ter atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, e a gravidade das sequelas pode variar de caso a caso. “A cognição pode não ser afetada, mas quando prejudicada, haverá prejuízo das habilidades adaptativas, como o relacionamento, fala e autocuidado. Pode haver ainda perda visual e auditiva, epilepsia, paralisia, autismo e rigidez muscular, além de limitar as atividades de vida diárias”.
Segundo dados do Ministério da Saúde, publicados no dia último dia 4 de junho, existem 1.551 casos confirmados de microcefalia em todo o país, sendo que a região com maior incidência é a Nordeste.
A especialista explica que, embora os casos recentes estejam sendo atribuídos à infecção de mães pelo zika vírus, há outras causas para a microcefalia, como as genéticas, infecciosas (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes viral), substâncias tóxicas, desnutrição, envenenamento por metais pesados, HIV materno, uso de anticonvulsivantes, além da hepatite ou câncer no primeiro trimestre de gestação, quando se dá a organogênese no bebê. “Algumas síndromes genéticas podem estar relacionadas à microcefalia, como a Síndrome de West, a Síndrome de Rett, a Síndrome de Down e a Síndrome de Edwards”.
A microcefalia e a saúde bucal
As pessoas com microcefalia têm alta incidência de doenças bucais, em função da dieta que na maioria das vezes é pastosa e hipercalórica, alterações na saliva, dificuldade de compreensão e realização da atividade de higiene bucal, além de alterações de mastigação e deglutição. “Ainda é possível constatar a presença de doença periodontal, cárie, má oclusão e bruxismo”, enfatiza a especialista e também conselheira do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP).
O papel do cirurgião-dentista na manutenção da saúde bucal para a saúde geral do paciente com microcefalia é fundamental, devendo contar com a aproximação gradativa e sensibilização do paciente, tendo a dinâmica físico-lúdica como apoio quando esta for indicada, além de conscientizar a família sobre a importância de sua participação no tratamento preventivo e adesão às ações propostas. “Necessidade de sedação e atendimento hospitalar são situações que devem ser levadas em conta para estabelecer o plano de tratamentos desses pacientes”, alerta a cirurgiã-dentista.
Para uma correta abordagem e tratamento destes pacientes, o profissional deve formar um vínculo afetivo e de confiança entre eles. O apoio de técnicas de estabilização na cadeira odontológica, a anamnese e abordagem condizente com a capacidade cognitiva do paciente também fazem parte do processo. “Avaliar as condições sistêmicas para um tratamento integral e seguro é essencial para evitar iatrogenias, tornando imprescindível o bom relacionamento com a equipe interprofissional, bem como a adoção de práticas colaborativas entre os mesmos, para otimizar as ações que são feitas isoladamente e possibilitar o desenvolvimento e qualidade de vida do mesmo”, esclarece a cirurgiã-dentista Maria Lucia Zarvos Varellis.
O cirurgião-dentista é um profissional fundamental na equipe que atende o paciente com microcefalia, uma vez que saúde bucal não pode ser dissociada da saúde geral. De acordo com a especialista, as famílias que têm em seu seio um paciente com necessidades especiais, trazem consigo uma expectativa muito grande em relação aos diversos tratamentos a que esta pessoa deve ser submetida ao longo de sua vida, no sentido de manter hígidas as partes que não foram afetadas pela doença e na busca pela aquisição de tantas outras que podem ser obtidas, quando o mesmo é submetido a várias terapias. “Muitas vezes as famílias ou cuidadores não se atentam para o fato de que este indivíduo pode adquirir também a doença bucal, que esta pode ser um fator agravante na perda da função respiratória e da função alimentar, incluindo a deglutição, podendo ainda repercutir sistemicamente com focos de infecção à distância. Assim, o papel do cirurgião-dentista é muito importante, pois, será por meio de sua postura, esclarecimentos e vínculo formado entre familiares/cuidadores, que ele poderá obter a adesão ao tratamento proposto, bem como dos cuidados que devem ser dispensados a este paciente, quando o mesmo se encontra em seu lar. Orientação dietética, de hábitos de higiene oral e frequentes visitas ao consultório odontológico são vitais para a manutenção da saúde deste paciente”.
Microcefalia: situação atual
A especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais elucida que a saúde pública do Brasil está sofrendo com a infestação do Aedes Aegypti, que trouxe graves problemas aos brasileiros, entre eles, a epidemia do zika vírus, cujas mães infectadas deram à luz bebês com microcefalia. Existem 3.600 espécies de mosquitos no mundo que transmitem as arboviroses, e atualmente, 3,9 bilhões de pessoas estão ameaçadas por elas.
A microcefalia, entretanto, já é uma doença conhecida no Brasil, uma vez que suas causas são variadas, não sendo atribuída apenas ao zika vírus. “Acredito que seja necessária uma força tarefa, no sentido de orientar todos os profissionais em relação às peculiaridades deste quadro, possibilitando, desta forma, um atendimento odontológico integral e seguro”.
A também autora da obra “O Paciente com Necessidades Especiais na Odontologia” defende que a Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais é a especialidade que trata de pacientes com comprometimentos sistêmicos e neurológicos. “Contamos, hoje, no Brasil, com um pequeno número de especialistas. Segundo dados do Conselho Federal de Odontologia, somos 592 profissionais, tendo sua distribuição bastante heterogênea pelo país – 197 em São Paulo, sendo que em alguns Estados não há especialistas na área”.
Atendimento odontológico ao paciente com microcefalia
A cirurgiã-dentista Maria Lucia Zarvos Varellis afirma que alguns passos podem ser decisivos para um atendimento odontológico eficiente e humanizado aos pacientes com microcefalia.
- O cirurgião-dentista que atende o paciente com necessidades especiais deve compreender que ali se encontra uma pessoa “diferente”, que precisa de cuidados, e esses cuidados devem ser realizados de forma humanizada, envolvendo a família/cuidadores.
- A anamnese deve ser realizada, para conhecer o estado geral do paciente, a história médica e os medicamentos que faz uso, atentando para as possíveis interações medicamentosas com a terapia que será por ele proposta.
- Para evitar fadiga muscular e estresse, as consultas devem rápidas.
- A abordagem individualizada e o estabelecimento do vínculo com o paciente e a família/cuidadores são fatores muito importantes.
- O paciente pode necessitar métodos de estabilização na cadeira odontológica. A família/cuidadores pode auxiliar nesta dinâmica, ou módulos estabilizadores podem ser utilizados. O importante é que ele seja posicionado de forma a não obstruir o fluxo respiratório e a deglutição.
- Ruídos e manobras repentinas devem ser substituídas pelo silêncio ou música ambiente suave e pelo toque carinhoso, a fim de não assustar o paciente e desencadear reflexos nervosos.
- É possível que sejam necessárias outras formas de abordagem destes pacientes, como a sedação ou até mesmo a anestesia geral, mas essa é uma decisão que deve ser discutida com os familiares e equipe médica, avaliando os riscos e benefícios.
- A higiene bucal deve ser feita com a escova dental macia, creme dental com flúor e o fio dental, sempre que possível.
- Por se tratar de pacientes que na maioria das vezes se alimentam de dieta pastosa e hipercalórica, em alguns casos, o controle químico do biofilme pode ser eficaz.
- As visitas devem ser periódicas, e dependendo da incidência de problemas bucais, estas deverão ser mais frequentes.