A saúde oral do paciente com fibromialgia

A saúde oral do paciente com fibromialgia

Por: Vanessa Navarro

A fibromialgia foi reconhecida pela Medicina em meados do século XIX, quando foi denominada fibrosite. No entanto, de acordo com informações do cirurgião-dentista especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial, Gerson I. Köhler, este quadro doloroso só foi reconhecido como uma entidade clínica a partir de 1975, quando passou a ser chamado de fibromialgia.

De origem desconhecida, a fibromialgia é tida como uma dor que ocorre nos tecidos fibroso e muscular de diferentes partes do corpo. Sua prevalência é maior em mulheres do que em homens.

“A fibromialgia é, na verdade, uma síndrome dolorosa não inflamatória. Estudos científicos sugerem que a condição acometa entre 7 e 9% da população mundial, de forma mais predominante nas mulheres em faixa etária de 35 a 50 anos, podendo estar presente, de forma menos frequente, na adolescência”, afirma o especialista. “A fibromialgia pode ser classificada como uma doença do sistema muscular esquelético, associada a distúrbios somatoformes (ou psicossomáticos) ”, completa.

Os cirurgiões-dentistas precisam saber que a fibromialgia é uma doença não inflamatória, caracterizada por dores musculares difusas, alterações e distúrbios do sono, fadiga e falta de disposição associadas a dores em pontos específicos do corpo, que se apresentam por um período maior do que três meses. “Para ficar caracterizada a presença de fibromialgia é preciso apresentar dor em pelo menos 11 de 18 pontos anatomicamente padronizados”, esclarece o Dr. Köhler, que também é membro da ABOR – Associação Brasileira de Ortodontia e Ortopedia Facial, instituição ligada internacionalmente a WFO – World Federation of Orthodontists, com sede nos EUA.

Em 90% dos casos a doença acomete as mulheres. Atualmente já se sabe que a fibromialgia é uma doença relacionada ao funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC) e ao mecanismo de supressão da dor. “A doença é mais comum em mulheres do que em homens, com uma relação homem/mulher de cerca de 9 por 1”, enfatiza o cirurgião-dentista.

As causas e os fatores de risco para fibromialgia, embora ainda desconhecidos, podem estar relacionados a lesões repetitivas, doenças como infecções virais, distúrbios estressantes pós-traumáticos, acidentes traumáticos, geralmente automobilísticos e a predisposição genética familiar.

O ortodontista lembra que, no Brasil, a Odontologia cresceu paralelamente à Medicina, o que parece ser uma falha na formação dos cirurgiões-dentistas, que acabam sendo focados excessivamente em dentes. “Nada errado, mas seria necessário que os cirurgiões-dentistas tivessem uma formação mais ampla, para assim possuir mais conhecimentos sobre a saúde humana em sua forma abrangente, atuando multi e interdisciplinaridade com os profissionais médicos de diversas especialidades, como Reumatologia, Ortopedia Geral, Endocrinologia, Pediatria, Otorrinolaringologia, Otoneurologia, entre outras”, defende o especialista.

A fibromialgia e os cuidados orais

Dr. Köhler defende que é preciso ampliar a concepção de saúde apenas oral ou bucal para o conceito mais amplo de saúde dentofacial ou estomatognática-facial, que inclui, além da boca e seus conteúdos, as articulações temporomandibulares. “Este par de articulações craniofaciais – as ATMs – é considerado, entre as cerca de 230 articulações do corpo humano, o de maior complexidade, tanto em sua funcionalidade quanto em suas possíveis disfuncionalidades. É importante considerar que o paciente odontológico fibromiálgico pode apresentar sintomas de sua doença reumática em regiões muito próximas às ATMs. Este fato pode, em determinadas circunstâncias, gerar suposições anamnésicas e diagnósticas que podem se confundir com a sintomatologia mioartrológica (ATMs e seus anexos neuromusculares) presente”.

O paciente odontológico fibromiálgico pode apresentar sintomas de sua doença reumática em regiões muito próximas às ATMs.

Para ficar caracterizada a presença de fibromialgia é preciso apresentar dor em pelo menos 11 de 18 pontos anatomicamente padronizados.

O ortodontista ainda explica que os distúrbios mioarticulares de ATMs parecem ser mais frequentes em pacientes fibromiálgicos e defende a prática de uma anamnese completa e minuciosa entre esses pacientes. “Pacientes portadores de fibromialgia são, geralmente, poliqueixosos, exigindo anamnese e exame clínico mais demorados e detalhados, principalmente com relação a possíveis queixas de desconfortos em regiões de ATMs e seus anexos. Esta avaliação deve ser efetuada nestes pacientes, em uma abrangência, no mínimo, craniocervicofacial.

Sobre os cuidados necessários com a prescrição de medicamentos a estes pacientes, o especialista explica que, de forma geral, a gama de medicamentos utilizados em Odontologia não parece interferir danosamente nos quadros fibromiálgicos de pacientes odontológicos. No entanto, as estatinas – em especial a sinvastatina – usadas para dislipidemias são, segundo estudos médicos, uma das principais causas de sintomas miálgicos (dores musculares). “Como não é medicação prescrita por odontologistas, não nos cabe a preocupação, apesar de ser conveniente, em saber se o paciente fibromiálgico faz uso, ou não, de estatinas”.

Assistência humanizada e especializada

O especialista alerta que a chamada assistência humanizada é um novo paradigma na área das ciências da saúde. “Não basta apenas diagnosticar e medicar para tratar. É preciso saber entender o sofrimento do paciente, que, muitas vezes, não se restringe apenas a questões puramente orgânicas”.

A humanização da Medicina, incluindo aqui a Odontologia, é fundamental na moderna relação médico-paciente ou cirurgião-dentista-paciente. “É preciso saber entender os pacientes, além de suas necessidades orgânicas, mas também em suas angústias vivenciais. Os portadores de fibromialgia fazem parte dos pacientes que necessitam deste tipo diferenciado de atendimento em saúde”, enfatiza o especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial.

Quando se trata da periodicidade das consultas odontológicas, o cirurgião-dentista esclarece que este é um assunto que fica na dependência dos riscos inerentes a cada paciente, e afirma que não existe uma regra geral para estabelecer a periodicidade de consultas odontológicas. “É um assunto que ainda não encontrou um consenso entre a classe odontológica, e varia de acordo com cada especialidade. Em não havendo um consenso, dependerá a respeito das morbidades a que o paciente está propenso em seu ambiente estomatognático-facial”.

Existem casos, tal como os portadores de disfuncionalidade mioatrológica craniomandibular, em que a frequência deve ser de seis em seis meses, mas não se pode aplicar isso como uma regra geral. “A sintomatologia fibromiálgica será sempre de alçada do médico reumatologista que trata a condição dos nossos pacientes odontológicos. Isto colocado, não se vê – e nem se prevê – uma periodicidade especial para estes pacientes em nossa área de atuação odontológica. Pode haver necessidade de consultas mais frequentes, para um correto acompanhamento do caso clínico”, destaca o profissional de saúde bucal.

Ainda de acordo com o Gerson I. Köhler, o que costuma acontecer é que a população, até por falta de orientação dos profissionais de Odontologia, só recorre aos especialistas quando algo passa a realmente incomodar, principalmente o fator desconforto/dor. “É preciso, portanto, um trabalho de conscientização da população, para que, pelo menos uma vez ao ano, salvo exceções já mencionadas, faça uma consulta com o cirurgião-dentista.

Fibromialgia no consultório odontológico

Dr. Gerson I. Köhler, especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial, ressalta, mais uma vez, a importância de a classe odontológica ter uma cultura médica mais abrangente, neste caso, sobre a fibromialgia, que é um assunto da área de Reumatologia. “Não existe um protocolo padrão para estes pacientes, mas seria interessante a atenção do cirurgião-dentista para alguns detalhes durante a anamnese”, explica o cirurgião-dentista. “É preciso que os cirurgiões-dentistas conheçam mais sobre as características da fibromialgia, não só pelo fato de que estes pacientes – em suas eventuais e possíveis disfuncionalidades craniofaciais – são portadores de um limiar de sensibilidade diminuído. Isto é importante para que os sintomas fibromiálgicos não sejam confundidos com sintomas craniomandibulares relativos a disfuncionalidades mioartrológicas craniomandibulares (que envolvem as ATMs e seus componentes)”, completa.

O cirurgião-dentista mencionou alguns tópicos relevantes para um anamnese completa e eficaz no caso de pacientes fibromiálgicos.

  • Confirmação do histórico pregresso da presença de dores crônicas e difusas por período maior do que três meses.
  • Verificação sobre quais dos 18 pontos corporais apresentem dor e que mostrem dor à palpação/pressionamento.
  • Descarte outras patologias, sejam de ordem reumatológica ou ortopédica.
  • Confirmação da presença – e de seu número – de pontos de sensibilidade, sempre considerando que podem ser uni ou bilaterais, tais como:
    – Laterais/inferiores e frontais da região cervical.
    – Parte superior do tórax.
    – Parte interna dos cotovelos.
    – Região logo acima da parte interna dos joelhos.
    – Região da nuca e occipital do crânio.
    – Alto dos ombros, região de inserção dos músculos trapézios.
    – Região dos quadris e acima das nádegas.

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