Saiba mais sobre a responsabilidade civil na Odontologia

Saiba mais sobre a responsabilidade civil na Odontologia

O advogado Eduardo Gaspar Tunala, especialista em Direito Civil e Processual Civil, esclarece algumas dúvidas sobre a responsabilidade civil na Odontologia.

Por: Vanessa Navarro


Local Odonto –
Como deve ser a relação profissional-paciente durante o atendimento odontológico? Qual é a importância dos esclarecimentos sobre os possíveis resultados do tratamento?
Eduardo Gaspar Tunala – Como qualquer relação profissional, o trato deve ser sempre o mais cordial possível. Já em termos jurídicos, quanto mais clara a exposição sobre o tratamento e suas possíveis consequências, melhor. É importante frisar que isso decorre do direito à informação, que, embora frequentemente relacionado apenas às regras consumeristas – as quais, em regra, não se aplicam às relações em apreço-, em verdade é consequência inexorável dos deveres anexos provenientes do princípio da boa-fé objetiva, que nada mais é do que o dever recíproco de condução idônea dos negócios.
Ressalte-se, por oportuno, que esse direito à informação passa a ser mais exigido ainda quando o tratamento aplicado for de natureza estética. Isso porque a obrigação do profissional passa a ser de resultado e não de meio. Significa dizer que é esperado do tratamento que o resultado fique como prometido. Daí, torna-se essencial que, ao ser contratado para a realização do tratamento, o profissional se acautele nesse sentido, elaborando, por exemplo, um documento informativo ao paciente, explicando os riscos e expondo o resultado mais aproximado possível, sempre com as ressalvas que entenderem necessárias.
Em suma, essa responsabilidade varia de acordo com o serviço prestado, ou seja, se de natureza estética não reparadora, a obrigação é de fim (vinculada ao resultado prometido) e a culpa, nesses casos, é irrelevante para apuração da responsabilidade civil. De outro lado, se o tratamento aplicado for de outra natureza, via de regra se aplicará a responsabilização civil subjetiva, posto se tratar de obrigação de meio e, por isso, com aferição da culpa.


Local Odonto –
De acordo com os Códigos Civil e de Defesa do Consumidor, em quais situações existe o dever de indenizar o paciente?
Eduardo Gaspar Tunala – A responsabilidade civil depende, em regra, da configuração de quatro elementos: agente causador, vítima, ato ilícito indenizável (dano) e nexo de causalidade. Independentemente do regime legal aplicável, esses são os requisitos básicos.
A grande diferença entre a aplicação do Código Civil (CC) e do Código de Defesa do Consumidor (CDC) reside no tipo de tratamento. Em regra, se o tratamento é estético, será aplicado o CDC; se de outra natureza, o CC, como já explorado.
O Código de Defesa do Consumidor é mais exigente quanto às cautelas, pois, como visto, neste instrumento legal a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe da prova da culpa.
As formas mais comuns de se excluir a responsabilidade em se tratando a responsabilidade objetiva, em geral, resumem-se na culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro. Entretanto, quanto a primeira hipótese, deverá ser verificada as consequências de eventuais condutas (omissivas ou não) do paciente, especialmente em caso de pós-operatório, caso tenha ele descumprido alguma recomendação elaborada pelo próprio profissional que prestou o serviço. Por isso, mais uma vez, mostra-se essencial que inclusive essa orientação seja realizada por escrito e entregue ao paciente, mediante recibo.
Pondere-se, também, que se a prestação de serviço se deu por intermédio de uma clínica, há consideráveis entendimentos jurisprudências de que a responsabilidade é também objetiva e com aplicação do CDC, já que a prestação de serviços é diferentemente prestada do que em relação a um profissional liberal, este expressamente excluído da responsabilização objetiva, conforme artigo 14, parágrafo 4o, do compêndio legal retro mencionado.
Em relação ao Código Civil, temos que a responsabilidade decorre da apuração da culpa do profissional, ou seja, deve ele ter cometido um erro ou se omitido acerca de algum cuidado ou ato que deveria ter tomado. Esta prova, ao contrário, é de ônus do paciente, que, costumeiramente, resulta numa perícia judicial.
Logo, para isentar-se da mesma, basta a atenção do profissional na aplicação das técnicas corretas e documentar todo o tratamento, como visto ao logo das presentes considerações. Feito isso, a defesa ficará facilitada e a chance de êxito em uma demanda promovida contra o dentista será reduzida.
Sobre o tema, deve-se destacar ainda a hipótese da responsabilização pela perda de uma chance. Esta se dá quando, por exemplo, um paciente deixa de ser tratado com uma técnica mais atual e efetiva pelo profissional, que, por vezes, a desconhece. Por isso, recomenda-se, dentro do possível, que sempre haja a atualização profissional, com vistas a evitar também esta hipótese.


Local Odonto –
Quando e como o prontuário odontológico passa a ser um grande aliado para minimizar os riscos de uma possível ação contra o cirurgião-dentista?
Eduardo Gaspar Tunala – O prontuário é sempre uma ferramenta importante para o profissional da área, pois é nele que se resumem os acontecimentos havidos durante o tratamento.
Seja qual for o tratamento, é extremamente recomendável que o mesmo seja confeccionado, com riqueza de detalhes e de maneira organizada, a fim de que seja preservada precisão e correção do tratamento aplicado no caso oportuno.
Essencialmente, deve conter os dados dos pacientes, data do tratamento e de suas fases, além do resumo das ocorrências.
Evidentemente que tudo mais o que se considerar importante destacar em dito documento pode ser incluído pelo profissional, pois somente este saberá, casuisticamente, sobre tal necessidade.


Local Odonto –
Quais os conselhos o senhor daria para que o cirurgião-dentista exerça a sua atividade de forma ética e legal?
Eduardo Gaspar Tunala – Eis alguns conselhos:

  • Preste as informações mais claras e didáticas ao paciente sobre o tratamento a ser aplicado, especialmente destacando os riscos e possíveis variáveis.
  • Crie o hábito de documentar tudo o que for possível.
  • Embora seja regular a liberdade do profissional na decisão e aplicação do tratamento que entender pertinente, é recomendável que se mantenha sempre atualizado, pois há forte corrente atualmente sobre a responsabilização pela perda de uma chance, como já mencionado.
  • Evite pecar pela omissão. Em caso de intercorrências extraconsultório, seja em qual fase do atendimento, busque prover o suporte efetivo e, em caso de indisponibilidade, conte com um colega para prestar o apoio.

eduardoEduardo Gaspar Tunala
Advogado. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Sócio do escritório Bevilacqua & Tunala Advogados. Possui vasta experiência em direito Civil, derivando para Direito do Consumidor e Contratual.

2 Comments

  1. André Eduardo Amaral Ribeiro

    No entanto, verifico na prática pericial cerca de 70% das ações cíveis com falta de provas de ambos os lados – profissional e paciente.
    Muitas vezes, os pacientes abusam do relato na petição inicial, iludindo o próprio advogado.
    André Eduardo Amaral Ribeiro
    Perito judicial

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  2. André Eduardo Amaral Ribeiro

    Realmente, a falta de documentação do tratamento odontológico é o que mais prejudica o cirurgião dentista num processo cível.
    Tenho atuado em processos nos quais o profissional sequer elaborou um prontuário em dois anos de tratamento!
    É o que chamamos de escrever em “papel de pão”, em especial na Ortodontia e Implantodontia.
    Infelizmente, essa negligência acaba de forma desfavorável para a odontologia.

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