Odontologia do Trabalho: quanto custa?

Odontologia do Trabalho: quanto custa?

Prezados colegas, como já fora abordado nas matérias anteriores, a Odontologia do Trabalho (OT), no que concerne às suas aplicações práticas, abrange um variado leque de possibilidades e ações que se aplicam tanto aos setores da administração pública como também nos setores administrados pela iniciativa e decisão privada, exigindo assim, análises e definições estratégicas sobre o binômio “demanda-disponibilidade” (budget) relacionado ao quanto de recurso financeiro envolvido, para sua efetiva consumação.

Evidentemente, sempre que nos deparamos com uma situação na qual um ente é responsável pelo aporte financeiro em benefício de outrem, existe a configuração da discussão sobre até que ponto este aporte deve ser considerado um investimento ou custo. Dada às limitações deste missivista quanto aos meandros e conceitos das ciências econômicas, tomo a liberdade, antes de prosseguir, de emprestar as conceituações de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, quando este afirma que: investimento é “(Econ.) Dispêndio destinado a aumento da capacidade produtiva”, enquanto custo é “(Econ.) Preço pago pela aquisição ou produção de um bem”. Tais conceituações servirão de parâmetro simplificado às subsequentes opiniões.

Outro aspecto importante a resgatar das contribuições anteriores é o fato de que os serviços inerentes às atividades da OT não inclui os procedimentos previstos na assistência odontológica, excetuando-se as manobras emergenciais, em caso de acidentes de trabalho envolvendo o complexo orofacial, quando há serviço de OT in company; esta ressalva torna-se necessária, uma vez que em comentários no âmbito legislativo, ao reportarem-se ao projeto de lei (422/2007) que tramita no Congresso, quando em nome da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), referiram-se ao mesmo, de maneira dúbia, quando afirmam que seu escopo é “oferta de serviços odontológicos por empresas”, levando os menos avisados a inferir que as empresas deverão ser “obrigadas” a manter serviços assistenciais aos trabalhadores.

Voltando ao diálogo sobre os cuidados preventivos voltados à saúde do trabalhador ser investimento ou custo, assumo, desde já, a percepção de os aportes para estes programas são investimentos, ou seja, algo que também repercute, positivamente, na lucratividade do empregador; como suporte, trago à cena o estudo de Steven G. Aldana et al. em “Financial impact of a comprehensive multisite workplace health promotion program” (2005), o qual evidencia que para cada dólar investido em programa de prevenção em saúde, houve um retorno de US$ 15,6 em redução do absenteísmo; nesse mesmo diapasão, Vitor Gomes Pinto em Saúde Bucal Coletiva (2004) nos chama a atenção (p. 92), referindo-se ao documento gerado pela Coalition for Oral Health – 1993, afirmando que “para cada dólar investido em odontologia preventiva economiza de 8 a 50 dólares seja em tratamento curativo específico seja em cuidados relacionados à saúde geral”.

Arrematando tais afirmações, tem-se que as doutrinas mais recentes sobre administração de empresas, mais especificamente em políticas voltadas aos recursos humanos, professam o consenso de que “quanto mais saudável a força de trabalho, melhor é sua produtividade”, por meio da substancial diminuição das perdas decorrentes do absenteísmo propriamente dito (tipo I) e do absenteísmo de corpo presente (tipo II), este último, intimamente relacionado aos acidentes de trabalhos e suas funestas consequências pessoais, materiais e psicossociais, cujo ônus distribui-se à sociedade em geral.

Do ponto de vista pragmático, por pura ignorância, não me imiscuirei sobre as sinuosas sendas do quanto se deve investir para que se tenha um arcabouço de serviços voltado à OT, no âmbito da administração pública da saúde; limitar-me-ei, portanto, a esboçar algumas das percepções (ainda que limitadas) que a experiência por três décadas à frente de um programa de acompanhamento e promoção da saúde orofacial em corporações privadas, assim o permitiram, com relação aos investimentos necessários à sua sustentabilidade, a título de reflexão sobre este delicado aspecto.

Com o intuito de parametrizar os investimentos necessários para um dado programa vinculado à OT, parte-se de uma atividade básica que deve ser contemplada em todos os programas de acompanhamento e promoção da saúde orofacial, ou seja, os exames clínicos orofaciais (ECOF) dos trabalhadores, em suas várias modalidades ocupacionais, têm-se como referência o procedimento de “Exame diagnóstico e orientações prognósticas”, equivalendo-se ao código 0151-97 da tabela de Procedimentos Referenciais para Procedimentos Odontológicos (PRPO). Importante salientar que não se deve confundir o ECOF, com a Avaliação Técnica Pericial – inicial ou final – (0112-55) da citada tabela.

Dito isto, considerando a anualidade do acompanhamento (periódico) da saúde orofacial dos trabalhadores e o valor, dolarizado a R$ 3,428 (05/12/2016), do procedimento ECOF (US$ 33,40), aportado para cada trabalhador participante do programa; ao aporte direto anual, considerando-se o valor estimado para o  Rendimento Médio Nominal (IBGE – RMN – ref. 02/2016 – último da série) no valor de R$ 2.227,50 para 220 horas/mês, adiciona-se ainda o aporte indireto estimado em 4 horas de trabalho, em razão do ½ dia de trabalho destinado à realização do ECOF e os necessários deslocamentos, ou seja, grosso modo, US$ 11,80, totalizando, aproximadamente, US$ 45,20 anuais para cada empregado.

A princípio, o valor pode suscitar preocupações, no entanto, quando se usa um comparativo cujos custos já faz parte da cultura corporativa em nosso país, ou seja, o tradicional “cafezinho”, percebe-se que a cifra adquire contornos menos assustadores; melhor explicando, tomando-se o custo médio de um café e insumos brindados aos empregados como ½ dólar, e que o investimento mensal no ECOF gira em torno de US$ 3,76 e considerando-se, de maneira subestimada, que o trabalhador tome um café por dia, ao cabo de 20 dias (úteis) trabalhados, o consumo de cafezinhos por empregado será de 20 unidades, o que perfará um total de US$ 10,00, ou seja, o consumo do cafezinho equivale a 2,5 vezes o investimento dos programas da OT, isto sem entrarmos no mérito sobre os controvertidos efeitos que a cafeína e seus “companheiros” trazem à saúde em geral.

Além desta constatação, pondera-se ainda – como argumento de convencimento favorável ao programa preconizado pela Odontologia do Trabalho – o fato de que corporações que adotam programas preventivos em saúde dos trabalhadores, enquadrados nos chamados “benefícios espontâneos” (concedidos por liberalidade da empresa, ou seja, não estão relacionados a obrigações legais), a exemplo dos programas antitabagismo, programas de prevenção e mitigação das doenças crônico-degenerativas “não” relacionadas ao trabalho, entre outros, além dos resultados benéficos à saúde das pessoas, são declaráveis nos balanços sociais das empresas.

Desta maneira, os Programas de Acompanhamento e Promoção da Saúde Orofacial dos Trabalhadores, com suas peculiaridades voltadas à saúde orofacial específica, à prevenção em saúde sistêmica e à prevenção em segurança do trabalhador, enquadram-se perfeitamente neste tipo de benefícios, ao menos, enquanto não há regras legislativas, que os tornem compulsórios.

Ao fechar este bloco de contribuições (5W-2H) destinado às interpretações sobre a especialidade de Odontologia do Trabalho, penso que os fundamentos seminais tenham sido lançados em campo fértil, o que permitirá o germinar de novos diálogos nos períodos vindouros.

Colocando-me à disposição para dúvidas e/ou sugestões de temas transdisciplinares conexos, por meio dos canais de comunicação do Local Odonto, deposito aqui meus votos de boas festividades a todos.


Dr. HoppJoão Rodolfo Hopp
Cirurgião-dentista. Pós-graduado em Periodontia. Especialista em Odontologia do Trabalho. Mestre em Trabalho, Saúde e Ambiente. Vice-Diretor Científico do Departamento de Odontologia do Trabalho da APCD-ABCD. Experiência de 30 anos como gestor e responsável técnico à frente do Programa de Odontologia Ocupacional, em empresas do setor elétrico paulista.

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