Odontologia do Trabalho: como implementá-la?

Odontologia do Trabalho: como implementá-la?

Prezados colegas, é chegado o momento de tratarmos das questões operacionais relacionadas às contribuições sobre a interpretação da Odontologia do Trabalho (OT), focando alguns dos aspectos macros de como efetivar a implementação de programas e serviços que cumpram os escopos da especialidade, visando o acompanhamento e promoção da saúde orofacial dos trabalhadores, tendo como fulcro, os diversos locais, laborais ou coligados à saúde dos trabalhadores.

Evidentemente, neste curto espaço editorial, não se tem a pretensão de esgotar o detalhamento do conteúdo que, pela própria dinâmica e constante aporte de conhecimentos de outras disciplinas, ao longo de três décadas de experiência, segue obedecendo a um constructo contínuo.

Sempre que se aborda o modus faciendi de uma atividade em construção, é comum depararmo-nos com a expectativa dos nossos interlocutores, exprimindo a necessidade de uma fórmula sintética e sistematizada, que possa ser aplicada passo-a-passo, ao estilo do “procedimento operacional padronizado”. No entanto, em se tratando da Odontologia do Trabalho, considerando-se o seu variado campo e formas de aplicação aliados às interfaces transdisciplinares que a caracterizam, não existe uma “fórmula mágica e universal” de como levar a cabo a sua implantação.

Ao pensarmos na operacionalização dos serviços da Odontologia do Trabalho, é importante considerarmos que a sua efetiva realização requer uma relação tripartite (latu senso), composta pela estrutura institucional, o profissional cirurgião-dentista (CD) e, como elemento central, o ser humano, enquanto trabalhador.

Melhor explicando, entenda-se que o termo “estrutura institucional” abarca as organizações dos serviços públicos (serviços voltados à saúde do trabalhador), de órgãos públicos (esfera federal, estadual e municipal) e da iniciativa privada (corporações e empresas); já o “profissional” entenda-se todo CD pertencente ao quadro funcional dos serviços públicos de atenção ao trabalhador em geral e os profissionais lotados em órgãos públicos que se dediquem ao acompanhamento e promoção da saúde orofacial dos respectivos funcionários públicos, além dos CDs do quadro próprio ou de serviços terceirizados pelas corporações, com a finalidade de aplicar os preceitos da Odontologia do Trabalho. Completando o trinômio, entende-se como “trabalhador” todas as pessoas que exercem atividades produtivas, independente da condição e/ou vínculo empregatício, podendo fazer parte dos usuários dos serviços públicos da saúde ao trabalhador, de programas específicos voltados aos servidores públicos e de programas mantidos pelas corporações privadas.

Indo direto ao ponto, no que tange à implementação propriamente dita, é preciso ter em mente o fato de que projeto algum se sustenta, em médio e longo prazo, se não estiver baseado em um sólido estudo do contexto situacional que permita a elaboração de um bom planejamento, que subsidie sua execução e contemple variantes alternativas, e que seja passível de avaliação posterior à sua execução inicial, com vista ao aprimoramento periódico.

Ainda que os estudos técnico-científicos continuados da Odontologia sejam imprescindíveis àqueles que se inclinam à Odontologia do Trabalho, no momento do como implementá-la, esta expertise deve ceder lugar para outros conhecimentos que se encontram no campo das ciências sociais e humanidades, por exemplo, a percepção sociocultural e administrativa do contexto no qual se pretende atuar.

Após a análise situacional (condições e vínculo de trabalho do CD com a estrutura institucional) frente aos possíveis nichos de atuação observados, o estudo dos aspectos organizacionais das atividades, das representações dos coletivos de trabalho (entidades sindicais e associações), das políticas corporativas (SEESMT próprio ou terceirizado, planos de saúde assistenciais, por exemplo) e demandas do setor produtivo (horários de trabalho, grau de risco da atividade principal, taxas acidentárias e outras) tornam-se fundamental à elaboração do projeto a ser executado.

Da mesma forma, é imprescindível conhecer em detalhes as características (gênero, escolaridade, intervalo etário, variedade funcional, entre outras) inerentes ao universo dos trabalhadores ao qual o projeto de acompanhamento e promoção da saúde orofacial se destinará.

Muito embora a verticalização acima não se aplique aos projetos a serem executados nos serviços públicos de Atenção à Saúde do Trabalhador, seus responsáveis pelos estudos para implantação não estão isentos do reconhecimento panorâmico das atividades laborais predominantes na região e locais próximos à área de circunscrição e de atendimento aos usuários.

Ao desenharmos o projeto de acompanhamento e promoção da saúde orofacial dos trabalhadores, guardando as especificidades de cada loco operandi, é fundamental que pensemos nas atividades para além dos exames clínicos e registros dos dados coletados, contemplando, já no planejamento, as etapas que se prestam à compilação estatística dos resultados, à forma de devolutivas aos participantes engajados (patrocinador, trabalhador e profissionais) e às ações promotoras da saúde orofacial calcadas nas premissas “andragógicas” (ensino para adultos, considerando seu repertório e subjetividades, previamente, apreendidas).

Outro aspecto de suma importância à execução exitosa do projeto pretendido repousa sobre a escolha dos profissionais CDs, os quais comporão a equipe de operacionalização das atividades. Além de uma escolha baseada no currículo técnico-científico dos acompanhadores, é relevante a apreciação, ainda que de maneira subjetiva, do potencial acolhedor e inclinações humanitárias dos componentes da equipe. Neste quesito, a capacidade e disposição de se colocar no lugar do outro, sem os rompantes de “fiscal” e/ou de julgador, sobrepõe-se aos títulos e formações tecnicistas. Um cuidadoso planejamento deve estipular critérios claros e fundamentados para a escolha dos recursos profissionais integrantes do projeto.

Considerando a complexidade e a variedade de nuances que o tema suscita, e pensando que programas de Odontologia do Trabalho, tanto nos serviços públicos como nos ambientes privados, sempre que possível, entendo que seria salutar que os mesmos fossem submetidos a uma etapa piloto, a exemplo de qualquer outro projeto das diversas áreas do conhecimento.

Finalizando esta contribuição, sem encerrar o assunto, deixo a mesma sugestão com a qual provoco a reflexão daqueles com os quais tive e tenho a oportunidade de contribuir em suas formações especializadas: “Uma forma simples de você avaliar o quanto o ‘seu projeto’ de Odontologia do Trabalho está robusto, é defender as suas bases, de maneira simples e compreensível, nos mais variados ambientes e situações sociais, assim como fazer de cada contato profissional-paciente um momento de sensibilização de um possível formador de opinião e propagador da relevância da Odontologia do Trabalho. Sucesso na empreitada!”.

Colocando-me à disposição para dúvidas e/ou sugestões de temas transdisciplinares conexos, por meio dos canais de comunicação do Local Odonto, deixo aqui meu cordial abraço a todos.


Dr. HoppJoão Rodolfo Hopp
Cirurgião-dentista. Pós-graduado em Periodontia. Especialista em Odontologia do Trabalho. Mestre em Trabalho, Saúde e Ambiente. Vice-Diretor Científico do Departamento de Odontologia do Trabalho da APCD-ABCD. Experiência de 30 anos como gestor e responsável técnico à frente do Programa de Odontologia Ocupacional, em empresas do setor elétrico paulista.

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