Interpretando a Odontologia do Trabalho

Interpretando a Odontologia do Trabalho

Prezados colegas, como matéria inicial nesta coluna da Odontologia do Trabalho, servindo-me das experiências práticas profissionais, nestes últimos 30 anos, desde os tempos em as atividades voltadas ao acompanhamento e promoção da saúde oral dos trabalhadores, ainda não se constituía em especialidade odontológica.

Posteriormente ao seu reconhecimento (Resolução CFO 022/2001), como professor convidado por diversos cursos de pós-graduação, em nível de especialização, pude vivenciar e compartilhar das percepções de outros profissionais quanto à especialidade.

Desta maneira, buscarei responder, ao longo desta e das futuras colunas, algumas das dúvidas, ainda que veladas, que permeiam o entendimento dos profissionais de Odontologia, quando o assunto em pauta é universo da Odontologia do Trabalho, a qual, carinhosamente, doravante, chamarei de OT, principiando este debate com o seguinte questionamento: Odontologia do Trabalho: uma concorrente, adversária ou parceira no contexto da saúde orofacial?

Conceito e pertinência da Odontologia do Trabalho

Com muito respeito às normalizações vigentes, todavia sem me prender ao conceito puramente legalista, costumo conceituar a OT como sendo “a especialidade que tem como objetivo a busca permanente da promoção da saúde orofacial nos ambientes laborais, relacionando-a com os reflexos bidirecionais entre saúde-trabalho, inerentes aos processos produtivos de bens, serviços e outras atividades, evidenciando-a como parte indispensável na saúde integral do indivíduo”.

Nota-se, a partir desta conceituação, que a OT requer estudos que vão além daqueles com os quais tivemos contato e formação nos cursos de graduação, exigindo do profissional a ela dedicado, o aprendizado e inteiração com outras áreas do conhecimento e pertinentes ao universo da segurança e saúde integral dos trabalhadores.

Especialmente daqueles que se dedicam à gestão de Programas de Acompanhamento e Promoção em OT, exige-se que “o especialista desenvolva novas competências no campo didático-pedagógico e siga estudando e contatando-se com todos os avanços e atualidades das mais diversas especialidades não só odontológicas, como também no campo da Medicina, Engenharia de Segurança, Direito, entre outras que se relacionam com o ambiente laboral e com o equilíbrio das condições de saúde dos trabalhadores”.

Respondendo às indagações

Como comentado no início deste diálogo, por inúmeras vezes, ao explicar aos próprios colegas, com os quais mantive contato durante o processo de autorização para realização dos exames clínicos para o Prodoc, deparei-me com semblantes e manifestações que iam do entusiasmo à total desconfiança quanto aos intuitos que estariam reservados à “nova” atividade, que se transformaria em especialidade.

Por detrás das manifestações de resistência à OT, o sentimento de desconfiança de que esta terminaria por ser uma concorrente com o clínico, tem sido marcante. Isto se deve, ao menos em parte, pela ideia equivocada (até mesmo por parte de especialistas) de que a Odontologia do Trabalho contemplaria o atendimento assistencial dentro das empresas.

Em realidade, para a própria preservação da sua idoneidade, no que tange o acompanhamento e a promoção da saúde orofacial dos trabalhadores, é de bom alvitre que os serviços prestados pela Odontologia do Trabalho se mantenham desvinculados das atividades assistenciais, de tal forma que os diagnósticos e aconselhamentos não possam ser, em hipótese alguma, correlacionados com o aspecto comercial da prestação de serviços odontológicos.

Excetuando-se o pronto-atendimento em casos de acidentes que atinjam as estruturas orofaciais do trabalhador, quando o serviço de Odontologia do Trabalho é in loco corporativo, nenhum outro serviço interventivo deve ser rotina da OT, mesmo no caso de dores, pois o ideal da especialidade é o de que os trabalhadores não sejam acometidos por dores, mas que estes adiram a tratamentos que contribuam para o afastamento dos riscos de quadros álgicos.

Outro sentimento negativo e que alimenta certa resistência (e até mesmo antipatia) para com os assuntos tratados pela OT, nasce do fato de que nenhum profissional gosta de ser “avaliado” quanto aos trabalhos realizados. Explicando melhor, o fato de a OT realizar o acompanhamento dos trabalhadores, por meio dos exames clínicos ocupacionais, nas suas modalidades na admissão, demissão, mudança funcional e periódico, entre outros, criou-se no imaginário profissional a falsa ideia de que a Odontologia do Trabalho cumpriria o papel de auditoria quali-quantitativa dos trabalhos odontológicos consumidos pelos trabalhadores.

Ainda que este aspecto – da OT não se prestar às atividades de Auditoria – stricto sensu – requeira certo esclarecimento, até mesmo para uma parte dos seus especialistas, o fato é que, aos profissionais dedicados à OT não compete o papel de “juízes do trabalho alheio”, devendo os mesmos, por questões ético-profissionais, diagnosticar as condições orofaciais do trabalhador, e, em havendo necessidade, encaminhá-lo ao clínico que o trata, cabendo a este a decisão final pela realização ou não dos procedimentos sugeridos, sem direcioná-los a serviços específicos, exceto nos casos de lesões cancerizáveis, os quais, preferencialmente e quando possível, devem ser encaminhados para serviços públicos de referência em Estomatologia.

Descaracteriza-se assim, a imagem distorcida criada ao redor da Odontologia do Trabalho, referindo-a como uma possível vigilante sobre os demais prestadores de serviços odontológicos.

Considerando-se que a Odontologia do Trabalho, em uma das suas atribuições, ao acompanhar e orientar o trabalhador quanto às suas condições orofaciais, cumprindo seu papel informativo, termina por sensibiliza-los, previamente,  quanto às suas necessidades preventivas, terapêuticas e reabilitadoras, contribuindo assim, para que os mesmos cheguem aos serviços de atendimento odontológico, mais informados e cônscios das condições clínicas e suas implicações no contexto geral da saúde, fato este que, sem a menor sombra de dúvida, facilita muito o relacionamento entre estes e seus clínicos assistenciais.

Portanto, tendo esta linha de entendimento como fio condutor, resumo que: a Odontologia do Trabalho não se constitui em uma especialidade concorrente e tampouco uma adversária dos profissionais cirurgiões-dentistas, mas sim uma especialidade parceira, visto que em suas prerrogativas está implícito o incentivo e fomento para que os trabalhadores cuidem da saúde orofacial, o que gera demanda de serviços aos serviços assistenciais, desde que praticada dentro dos parâmetros éticos e do recomendado pelo Código de Conduta do Cirurgião-Dentista do Trabalho.

Código de conduta do cirurgião-dentista do trabalho*

São deveres do cirurgião-dentista do trabalho:

  1. Atuar visando, essencialmente, a promoção da saúde dos trabalhadores.
  2. Buscar, com os meios de que dispõe, a melhor adaptação do trabalho ao homem e a eliminação ou controle dos riscos à saúde orofacial existentes no ambiente de trabalho.
  3. Exercer suas atividades com total independência profissional e moral, com relação ao empregador e ao empregado.
  4. Conhecer as normas, ambientes e condições laborais dos trabalhadores acompanhados, para o adequado desempenho no exercício de suas atividades técnico-administrativas, inerentes à atividade profissional.
  5. Nos exames ocupacionais, compatibilizar a aptidão do trabalhador, sob o ponto vista da saúde orofacial, com o posto de trabalho.
  6. Ao examinar o trabalhador, não segregar os portadores de distúrbios e/ou deficiências orofaciais, desde que estas não sejam passíveis de agravo pela atividade e que não exponham o trabalhador e/ou comunidade a riscos.
  7. Ao constatar restrições, por motivos orofaciais, para determinado posto de trabalho, informar o trabalhador sobre os motivos da restrição, estipulando um prazo para a resolução das prioridades hierarquizadas e esclarecidas.
  8. Ao constatar condições orofaciais que exponham o trabalhador a riscos de acidentes de trabalho e/ou agravo das doenças no exercício das atividades laborais, ou implique em limitação ao mesmo e/ou traga restrições ao correto exercício das suas funções, informar e orientar o trabalhador sobre a necessidade de solução da situação e/ou recomendar a readaptação em outra função.
  9. Informar empregadores e empregados sobre riscos existentes no ambiente de trabalho, bem como medidas necessárias para o seu controle.
  10. Não permitir que os seus serviços sejam usados, direta ou indiretamente, no desligamento funcional do trabalhador.
  11. Orientar o empregador e o empregado no tocante à assistência em saúde orofacial, visando o melhor atendimento à população, sob sua responsabilidade.
  12. Manter sigilo das informações confidenciais técnicas e administrativas que tiver conhecimento no exercício de suas funções, exceto quando este sigilo cause danos à saúde do trabalhador e/ou comunidade.

Na esperança de ter contribuído para a divulgação e maior entendimento da Odontologia do Trabalho, colocando-me à disposição para dúvidas e/ou sugestões de temas conexos, ampliando assim, a sua transdisciplinaridade.

* Atualização terminológica sem prejuízo ao conteúdo, de Grupo de Estudos em Odontologia do Trabalho –GEOT-APCD 15/10/2004 – HOPP. JR; MIDORIKAWA, ET, 2008. In: SABA-CHUJFI et al; Odontologia: resultados e integração. São Paulo, Santos e Artes Médicas.


Dr. HoppJoão Rodolfo Hopp
Cirurgião-dentista. Pós-graduado em Periodontia. Especialista em Odontologia do Trabalho. Mestre em Trabalho, Saúde e Ambiente. Vice-Diretor Científico do Departamento de Odontologia do Trabalho da APCD-ABCD. Experiência de 30 anos como gestor e responsável técnico à frente do Programa de Odontologia Ocupacional, em empresas do setor elétrico paulista.

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