Apesar dos avanços das pesquisas em Cariologia, das diretrizes do uso do flúor e controle da ingestão de açúcares, infelizmente ainda encontramos crianças e adolescentes com lesões de cárie em nosso dia a dia clínico. O que acontece? Falta de informação? Falta de acesso à Odontologia? Vamos refletir.
Primeiramente, para formarmos pais e crianças bem-informados precisamos educá-los, e isso é sim papel do cirurgião-dentista. De nada adianta recriminá-los, se nós não os educamos baseados em evidências científicas, atuais e confirmadas. Os pais, muitas vezes, têm como base o que aprenderam com seus pais e avós. Leem blogs e postagens na internet que disseminam informações erradas e sem critério científico, disseminadas por leigos ou profissionais desatualizados. Recebem uma enxurrada de propagandas enganosas que visam vendas de produtos milagrosos. Alguns pais ainda têm o hábito de procurar médicos pediatras para receberem orientações quanto à saúde bucal, não buscando ajuda especializada.
Pois bem, é hora de mudarmos isso. Nós somos responsáveis sim pela educação em saúde bucal dos nossos pacientes, sempre em busca de uma geração zero cárie.
A definição mais recente de cárie dentária é “uma disbiose desencadeada pelo consumo de açúcar”, onde não há um microrganismo específico envolvido no processo, já que em condições normais, a relação dos humanos com os microrganismos envolvidos no processo de cárie é de simbiose. Ou seja, o grande responsável pela doença é o açúcar consumido em excesso. Então, colegas, devemos orientar nossos pacientes quanto à dieta, higienização e uso de dentifrícios fluoretados durante as escovações, que precisam ser realizadas por meio das técnicas que ensinamos durante as consultas de prevenção.
A preocupação deve existir desde antes do irrompimento dos dentes decíduos. O ideal é que a gestante passe em consultas para o pré-natal odontológico, onde cuidará da sua própria saúde e receberá orientações importantes para o futuro de seu bebê. Se isso não ocorrer, é importante que os pais levem a criança nos seus primeiros meses de vida a um odontopediatra. Nessa consulta, além das orientações de higiene e alimentação, um exame clínico será realizado para verificar a saúde bucal do bebê.
Muitos pais questionam a limpeza das gengivas do bebê edêntulo. A limpeza pode ser realizada com uma gaze embebida em água filtrada, mas esse procedimento não deve ser realizado rotineiramente nas crianças que são amamentadas e não possuem dentes. O leite materno contém importantes anticorpos que protegem a boca do bebê e são também absorvidos pela mucosa. Ou seja, a limpeza da gengiva e língua só deve ser realizada quando houver um acúmulo grande de resíduos.
Já o dente deve ser higienizado a partir do momento em que ele aprece na cavidade bucal, independentemente da idade da criança. Para isso, pode-se utilizar escovas infantis adequadas para o tamanho da cavidade bucal e quantidade de dentes – hoje existem no mercado escovas específicas para cada idade. É importante que a escova seja macia e que o dentifrício seja sempre fluoretado, seguindo as recomendações do odontopediatra. O uso de fio dental será necessário após avaliação da cavidade bucal e do espaço presente entre os dentes, que é variável de criança para criança.
Escovar os dentes é um hábito que a criança levará por toda a vida, realizando-o todos os dias, pelo menos três vezes ao dia. Portanto, não há como contestar. Deve ser introduzido na rotina como alimentação, banho e sono. É absolutamente normal que a criança relute, mas os pais não podem ceder. Insistência, paciência, uso de materiais lúdicos, como bonecos e músicas podem ajudar. Escova coloridas, pastas temáticas, tudo é válido.
O cirurgião-dentista, em sua posição como educador em saúde, tem um poder imensurável para transformar sorrisos e para nos trazer uma geração livre de lesões de cárie, basta conhecimento, empenho e insistência.
Referências
- Ferreira-Nóbilo Naiara de Paula, Tabchoury Cínthia Pereira Machado, Sousa Maria da Luz Rosário de, Cury Jaime Aparecido. Knowledge of dental caries and salivary factors related to the disease: influence of the teaching-learning process. Braz. oral res. [Internet]. 2015 [cited 2016 Mar 01]; 29(1):1-7. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-83242015000100258&lng=en. Epub May 26, 2015. http://dx.doi.org/10.1590/1807-3107BOR-2015.vol29.0061.
- “Should caries NOW be regarded as a non-communicable disease?”. Debate promovido pela ACFF (Alliance for a Cavity-Free Future), como atividade pré-congresso da ORCA, Bruxelas, em julho de 2015.
Sandra Kalil Bussadori
Cirurgiã-dentista. Especialista em Odontopediatria. Mestre em Odontologia (Materiais Dentários). Doutora em Ciências Odontológicas. Possui Pós-Doutorado em Pediatria.